Desde 1 de Janeiro de 2024, e na sequência do Decreto-Lei n.º 10/2024, deixou de ser obrigatório apresentar a licença de utilização habitacional nas escrituras de compra e venda. A medida, criada para simplificar processos e permitir que mais imóveis entrassem no mercado, acabou por abrir a porta à venda de casas que antes não podiam ser transacionadas, nomeadamente imóveis construídos ilegalmente ou originalmente destinados a comércio e serviços.

Contudo, este alargamento trouxe um efeito secundário: como estas casas não dispõem de licença de utilização, não podem ser financiadas através de crédito à habitação, levando muitos proprietários a exigir que a aquisição seja feita a pronto pagamento.
Bancos não concedem créditos sem licença de utilização
Há um conjunto crescente de anúncios que explicitam a exigência de pronto pagamento, muitas vezes justificada pela ausência de licença. Nos casos em que tal explicação não é apresentada, vários proprietários confirmaram que a falta de licença é o motivo pelo qual exigem pagamento integral imediato.

O fenómeno é reconhecido pelas agências imobiliárias. Em declarações ao Público, Manuel Alvarez, presidente da Remax Portugal, afirma que exigir pagamento a pronto “não é a forma mais atrativa de captar interessados”, mas admite que existem situações em que isso representa uma vantagem, sobretudo quando há urgência em reinvestir o capital ou quando a casa não dispõe de licença de utilização. O responsável estima que a rede tenha já “centenas” de anúncios com esta condição, embora reconheça que o número exato seja difícil de determinar.
“60% das casas pagas a pronto”
De acordo com Manuel Alvarez, apenas entre 35% e 40% das casas são adquiridas com recurso a crédito bancário, o que significa que cerca de 60% são pagas a pronto. A tendência é particularmente expressiva nas zonas do país onde existe forte procura e oferta limitada, embora em regiões com menor pressão imobiliária possa manter-se estável ou até diminuir. Em 2024, segundo o Instituto Nacional de Estatística, foram vendidas 156.325 casas em Portugal.

A proporção elevada de compras a pronto é explicada por vários fatores. Um deles é a presença crescente de compradores estrangeiros, sobretudo provenientes da América do Norte e da Europa, que possuem maior capacidade financeira e encaram o pagamento integral como algo natural. Outro fator é a aquisição por investidores que olham para o imobiliário como um ativo valorizável.

Além disso, muitas das transações resultam de uma mudança de casa: quem vende a habitação anterior reinveste o montante recebido na compra seguinte, dispensando o crédito.
Riscos de comprar casa sem licença de utilização
Apesar das vantagens aparentes, comprar um imóvel sem licença de utilização comporta riscos significativos. André Levi, advogado da área de urbanismo ouvido pelo Público, recorda que estas licenças são exigíveis para edifícios construídos após 1951 e constituem um requisito fundamental para a sua ocupação.

As licenças de utilização estão diretamente associadas às licenças de construção e destinam-se a comprovar que a obra respeita os projetos aprovados e que o edifício está apto a ser utilizado para o fim previsto, incluindo habitação.

A inexistência de licença indica frequentemente que a construção foi ilegal ou que não cumpriu o projeto autorizado. As consequências podem ser graves: a utilização de um imóvel sem licença pode resultar em coimas que chegam aos 250 mil euros e, em casos mais extremos, levar à determinação de despejo administrativo por parte da câmara municipal.
Como obter a licença?
O processo para obter uma licença de utilização depende da situação urbanística do imóvel. Se a construção tiver sido ilegal, é necessário proceder à sua legalização, respeitando todos os regulamentos urbanísticos e o plano diretor municipal. Já quando o edifício foi construído legalmente ou, entretanto, legalizado, o procedimento é relativamente simples: basta apresentar documentação técnica que comprove a conclusão das obras e a conformidade com o projeto aprovado, como termos de responsabilidade e plantas atualizadas. Após esta comunicação e mediante o pagamento da taxa municipal, o imóvel pode ser utilizado imediatamente.

A alteração legislativa permitiu, portanto, que muitos imóveis sem licença de utilização entrassem no mercado, mas trouxe novos desafios para compradores e vendedores. Para quem pretende comprar casa, torna-se agora ainda mais importante verificar previamente a existência da licença de utilização, evitando riscos legais e financeiros que podem comprometer o investimento.

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